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Ministério da Saúde ameaça quebrar patente de medicamento de alto custo
Divulgação/Ministério da Saúde
O secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Marco Fireman, disse, na última semana, que o governo pedirá a quebra de patente (licenciamento compulsório, no jargão) de um medicamento cuja incorporação ao Sistema Único de Saúde (SUS) está sendo analisada e cuja ampola teria o preço R$ 300 mil. A declaração foi feita durante evento sobre diabetes e está registrada em vídeo (por volta de 1h59min).
“É preciso que a gente chame a indústria farmacêutica [para negociar incorporações]. Os preços no Brasil estão chegando a um absurdo. Tem um medicamento sendo analisado que uma ampola custa R$ 300 mil reais. A gente vai pedir a quebra de patente. O Brasil há muito tempo não faz isso. Mas a gente não pode pagar R$ 300 mil reais numa ampola de medicamento. Não há nada que justifique”, disse Fireman.
O JOTA perguntou na terça-feira (7/8) ao Ministério da Saúde como será feito o pedido de licenciamento compulsório, além de qual medicamento deve ser atingido. A pasta não enviou as informações até o fechamento desta edição.
Pessoas do setor regulado consultadas pelo JOTA especulam que o secretário se referia ao Spinraza, medicamento usado em tratamento milionário para doença rara. A fala, para as mesmas fontes, é um blefe para forçar a redução de custos em negociação de incorporação da droga ao SUS. O Spinraza, no entanto, ainda não tem concorrente no mercado.
Licença compulsória
A quebra de patente é regulada pelos artigos 68 a 74 da Lei de Propriedade Industrial (9.279/1996). O Brasil já ameaçou usar o dispositivo no início dos anos 2000, em negociações agressivas para redução de preços de medicamentos contra a Aids.
Em 2007, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em cerimônia no Palácio do Planalto, assinou portaria de quebra de patente do medicamento Efavirenz, usado contra a mesma doença. A medida permitiu ao governo importar medicamento genérico.
Spinraza: tratamento milionário
O Spinraza, que recebeu aval da Anvisa em 2017, é a mais cara registrada no Brasil: R$ 239 mil por frasco, conforme critério PMVG (preço máximo de venda ao governo) da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED).
O medicamento é usado no tratamento da Atrofia Muscular Espinhal (AME). O custo de tratamento é próximo de R$ 1,5 milhões no primeiro ano, mas cai pela metade na sequência. Hoje, pacientes conseguem na Justiça o acesso ao remédio.
Em maio, cerca de 60 pacientes recebiam o Spinraza no Brasil, segundo dados da fabricante Biogen. A droga não tem concorrente no mundo.
Pressão por preços
A fala de Fireman, para representantes da indústria ouvidos pela reportagem, é ingênua ou busca forçar redução de preços em negociações para incorporação da droga ao SUS. A primeira hipótese seria justificada pelo alto custo e dificuldade para desenvolver produtos biológicos ou biossimilares, que mesmo sem patente em alguns países, não tem concorrente no mercado. Nos casos anteriores em que o Brasil ameaçou ou chegou a quebrar a patente, os alvos foram antirretrovirais de domínio mais simples, com genéricos disponíveis no mercado.
Para o presidente do Sindusfarma, Nelson Mussolini, os danos de uma intervenção tão radical, como quebra de patente, podem ser irreparáveis a curto prazo. “Nosso país tem se pautado em cumprir os contratos. Não me parece crível que o governo do presidente Temer esteja propenso a intervir de forma tão radical no mercado”, disse.
Ao mesmo tempo, técnicos do Ministério da Saúde afirmam, em conversas reservadas, que a fala de Fireman não passaria de bravata na tentativa de reduzir preços. A leitura é de que o governo não deve se indispor com a indústria por conta de um medicamento sem escala como o Spinraza — sem contar o custo e a complexidade de produção.
Em maio, o JOTA revelou que a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) manifestou interesse unilateral em avaliar a tecnologia para incorporação, antes mesmo que a Biogen fizesse o pedido de incorporação do Spinraza à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). Após a decisão do governo, a fabricante anexou a sua proposta de preços ao processo, que incluiria custeio de diagnóstico de pacientes e teto de gastos. Trata-se de uma oferta “inovadora”, conforme a empresa.
Judicialização da saúde
Há uma celeuma no governo sobre como incorporar ao SUS medicamentos para doenças raras, com custos elevadíssimos, como o Spinraza. As compras, hoje, são feitas por determinação da Justiça e ficam sujeitas a atrasos por descumprimento de prazos pelo ministério e secretarias de Saúde, além de entraves em contratações de empresas por meio de licitações emergenciais.
A União destinou R$ 1,02 bilhão com a judicialização da saúde em 2017. Apenas 11 medicamentos correspondem a 92% do valor (R$ 965,2 milhões). O alto custo para o tratamento de poucos pacientes levanta debates sobre como deve ser financiada a compra de drogas para doenças raras.
Sob justificativa de quebrar para distribuição das drogas, o ministério contratou, no final de 2017, empresas sem registros da Anvisa. A agência reguladora foi contrária. No caso de maior repercussão, a empresa Global recebeu R$ 20 milhões adiantados e, mesmo após decisão favorável na Justiça, não entregou os medicamentos. Em outro, a Tuttopharma, de Miami, venceu contratos de cerca de R$ 90 milhões, mas teve o negócio anulado por descumprimento de contrato. A empresa ainda é suspeita de ter apresentado documentos falsos à Anvisa.
Na discussão sobre incorporação do Spinraza ao SUS, a Biogen também tentará reverter uma divergência com o Ministério da Saúde. O governo tem enviado nota técnica a magistrados para contestar que pacientes com traqueostomia recebam a medicação. Segundo a empresa, o procedimento é necessário devido às complicações da doença, que pode levar à morte em apenas dois anos.
Apesar de a legislação fixar prazo de 180 dias (prorrogáveis por mais 90 dias) para a Conitec decidir sobre a incorporação, há poucos protocolos publicados sobre doenças raras. A Procuradoria da República do Distrito Federal propõe ação civil pública para forçar a Conitec a decidir, em um ano, sobre análises de incorporação atrasadas. No pedido, a procuradora Luciana Loureiro Oliveira aponta que o órgão aprovou relatório sobre 43 doenças ou grupos de doenças cujos protocolos devem ser priorizados. A previsão era aprovar 12 protocolos no ano de 2015. No final de março de 2018, no entanto, havia aprovação de uso de medicação e previsão de elaboração de PCDT para apenas três doenças raras.
Fonte: Jota