Estresse na infância interfere na longevidade

 Estresse crônico, causado por traumas, negligência familiar, fome, violência e abusos afetam de maneiras profundas o desenvolvimento da criança e, inclusive, os seus genes.


A consequência disso pode ser envelhecimento precoce e maior predisposição a doenças relacionadas.

É o que mostra um estudo publicado ontem na “Proceedings of the National Academy of Sciences” (PNAS).

Para compreender esse efeito do estresse em crianças, a pesquisa analisou o comprimento dos chamados telômeros, estruturas localizados nas pontas dos cromossomos, servindo de proteção para os mesmos contra mutações prejudiciais.

A ação do ambiente é responsável por encurtá-los ao longo do tempo, o que deixa o indivíduo suscetível a envelhecer mais rápido e a adoecer com mais frequência, reduzindo, assim, a sua expectativa de vida.

Os pesquisadores examinaram o DNA de 40 meninos de 9 anos residentes em cida des dos Estados Unidos.

Eles descobriram que aqueles que cresciam em ambientes problemáticos tinham telômeros, em média, 19% menores do que os demais.

Foram levados em conta indicadores como estrutura familiar instável e com rendimento insuficiente.

— O nível de estresse capaz de alterar os genes é variável entre as crianças.

Para o estudo, usamos dados daquelas em situação mais crítica, seja por condiçõe s sociais precárias ou traumas familiares.

Mas crianças sob estresse menor também podem ser afetadas — afirmou ao GLOBO Colter Mitchell, um dos autores do estudo e pesquisador do Centro de Estudos sobre População da Universidade de Michigan, nos EUA.
Mitchell admite que o estudo ainda é pequeno, e, portanto, inconclusivo.

Mas, segundo ele, é um “forte indicativo” das consequências duradouras do estresse na saúde ao longo da vida.

Além disso, a nova etapa do estudo acompanhará três mil famílias, de diferentes países, desde o nascimento do bebê, desta vez de ambos os sexos.< /b>

Os pesquisadores querem saber, por exemplo, se a ação do estresse no DNA é irreversível. Segundo Mitchell, cientistas acreditavam que sim, mas novas pesquisas vêm mostrando o contrário.

A maioria, entretanto, ainda tem como alvo adultos e idosos, já que a preservação de telômeros é geralmente um indicador de longevidade.

ATENÇÃO A SINAIS NA CRIANÇA

Por outro lado, a influência do estresse crônico na saúde mental de crianças é um tema tratado pelo menos desde o século XVII, segundo o psiquiatra infantil Fábio Barbirato, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria.

Na quele período já se notava que elas eram as que tinham mais sintomas depressivos.

Mais tarde, no século XX, mostrou-se que crianças ficavam mais tempo hospitalizadas se careciam de suporte familiar.

Hoje isso já é compreendido na psiquiatria como ansiedade generalizada.

E as consequências vão além das descritas no novo estudo:

— O avanço da ciência vem mostrando o quão profunda pode ser a relação entre o estresse e o desenvolvimento infantil, afetando inclusive o DNA.

Mas essa relação já é descrita há bastante tempo.

Sabemos que áreas do cérebro destas crianças são bastante afetadas pelo estresse, o que acarreta ansiedade, depressão e prejuízos na vida acadêmica e profissional e até nos relacionamentos — explica.

Barbirato concorda que tanto fatores sociais extremos quanto o simples estresse diário podem trazer prejuízos.

Ele cita crianças com excesso de tarefas e sem tempo para brincar.

Entre elas, os sinais de que algo está errado são geralmente os mesmos.

— Ela fica muito cansada, sem querer brincar no final de semana.

Só quer dormir, chora à toa, fica excessivamente emotiva ou explosiva.

O rendimento escolar cai, e o seu comportamento regride, ela se torna mais infantil — exemplifica o especialista.

— É importante ficar atento a essas demonstrações, porque as melhores chances de recuperação ocorrem quando elas são tratadas até os 10 anos.

Fonte: O Globo