Inimigo oculto

 Reações alérgicas a remédios ocorrem em 8% da população d o Brasil, mas muitos desconhecem o problema, que pode até matar. O tema será debatido em congresso mundial a partir de hoje no Rio. Vida de alérgico precisa ser cheia de cuidados, porque, não raro, a pessoa tem hipersensibilidade não apenas a um, mas a vários agentes do ambiente.

Pior é quando a alergia é desconhecida. Um levantamento da Sociedade Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai) que será apresentado durante o congresso internacional que começa hoje no Rio estima que 14 e 16 milhões de brasileiro têm alergia a algum tipo de medicamento. O número representa entre 6% a 7% da população, que é alérgica principalmente a antibióticos e antiinflamatórios. O dado preocupa, já que muitos desconhecem o problema.


— Muitos não sabem da alergia — alerta Luís Felipe Ensina, pesquisador do ambulatório de alergia da Unifesp e palestrante da Conferência Científica Internacional da Organização Mundial de Alergia (WISC 2014), o maior do mundo no tema, com 1,5 mil participantes. — As alergias a medicamentos são mais difíceis de lidar porque a reação pode ocorrer no mesmo minuto ou aparecer dias ou semanas depois , e nas duas poss ibilidades há formas leves e graves de comprometimento.

MORTES CRESCEM NOS EUA

No Brasil, não há estatísticas. Mas nos Estados Unidos um recente estudo revelou que os medicamentos são a principal causa de morte súbita relacionada a alergias. A pesquisa publicada em setembro no “Journal of AllergyClinical Immunology” analisou atestados de óbito entre 1999 e 2010 no país e mostrou ainda que o número de mortes aumentou: de 0,27 por milhão entre 1999 e 2001 para 0,51 por milhão entre 2008 e 2010. Contribuíram para o aumento o diagnóstico mais preciso sobre a causa das mortes e o maior uso desses remédios.

— A anafilaxia, termo usado para a reação alérgica grave e que ameaça a vida, foi apelidada de “a mais recente epidemia de alergia”— afirmou Elina Jerschow, coordenadora do estudo e professora da Faculdade Albert Einstein, nos EUA. — Esperamos que estes resultados aumentem o alerta para compreender melhor essas mortes.

A anafilaxia pode ocorrer de segundos a minutos depois da exposição ao alérgeno. A morte pela anafilaxia representa 58,8% do total de casos do estudo, enquanto que por alergia a alimentos, apenas 6,7%. Mais da metade foi causada por antibióticos, seguidos por contrastes (usados em exames de raio-X) e quimioterápicos.

Mas, na maioria dos casos, a reação alérgica apresenta apenas vermelhidão, coceiras e inchaços. E, nessas situações, o uso de um antialérgico pode ser suficiente. Foi o que aconteceu com a jornalista Fabíola Gerbase. Por votla dos 10 anos, ela descobriu ser alérgica ao antibiótico penicilina durante uma broncopneumonia.

— Precisei usar um antibiótico injetável, mas logo em seguida fiquei cheia de bolinhas vermelhas e me senti mal — lembra-se. — A sorte foi que minha mãe percebeu rápido e ligou para o médico, que me indicou um anti-histamínico. Esta alergia acaba me restringindo muito nas opções de remédios, e toda vez tenho que avisar aos médicos sobre ela.

Para a e studante Marce lla Leite, a experiência foi bem singular quando, internada, recebeu cloridrato de metoclopramida (o Plasil) intravenoso.

— Tive alucinações. Entrei em pânico, tentava levantar e não conseguia, ficava me debatendo na cama, era uma angústia muito grande — conta Marcella, explicando que a mãe, médica, logo percebeu a reação e interrompeu o soro. — Depois, médicos me explicaram que é uma reação relativamente comum e, apesar de estranha, é considerada alergia num grupo de pessoas.

De fato, a alergia é apenas um dos tipos de reações adversas — neste caso, causada por uma reação imunológica, geralmente caracterizada pelas alterações na pele. Muitos que acreditam ter alergia, na verdade, não têm. Além disso, é incurável e nem sempre ocorre na primeira ocasião do uso do medicamento. Em alguns casos, é possível fazer testes para comprovar a reação à substância, mas ainda há poucas e nem sempre conclusivas opções. O mais importante, portanto, é o diagnóstic o clínico. Há poucas e n ovas opções de tratamento.

VACINAS: BOAS, MAS AINDA LIMITADAS

Não é o caso das demais alergias. Muitos já se beneficiam hoje do tratamento com vacinas, ou imunoterapia, outro tema de destaque do congresso. Mas ela também não é para todos.

— A eficácia da imunoterapia é comprovada, mas não serve para tudo, apenas para doenças alérgicas mediadas pelo anticorpo IgE, o que na prática geralmente se refere a asma, rinite, picadas de insetos... Não funciona para medicamentos ou alimentos, por exemplo — ressalta o alergista e imunologista José Carlos Perini, vice-presidente da Asbai e palestrante do WISC 2014. — A eficácia dela hoje é de 70% para alergias respiratórias e quase 100% para insetos. As novas tecnologias de diagnóstico aumentarão estes índices.

Um dos anúncios do congresso será um estudo que poderá levar a uma nova vacina para a alergia a pólen, que afeta principalmente a população do Sul. O avanços das tecnologias na área são uma das grand es apostas da indús tria farmacêutica, já que o número de alergias vem aumentando no mundo desde a década de 1980. Poluição, urbanização, alimentação industrializada e menos contato com o ambiente natural são alguns dos possíveis fatores relacionados, acreditam especialistas.

Além de alérgica ao antibiótico amoxicilina, a fisioterapeuta Clara Daguer sofre de asma. Locais empoeirados e pouco ventilados, além da chegada da primavera ou inverno, sempre foram um tormento.

— Vivia fungando, assoando o nariz, com tosse, ficava muito incomodada. Na primavera, o pólen era outro problema. E lugares muito frios, a mesma coisa. Uma vez tive uma forte crise no Sul — conta Clara, que há sete anos segue religiosamente o protocolo de vacinas e pode, finalmente, ter alta em janeiro. — É preciso ter paciência, porque é longo e requer disciplina; além disso, um técnico precisa aplicar a vacina. Muitos desistem antes disso e não veem resultado. Não estou curada, preciso tomar cuidados, mas melhorou bastante.

Fonte: O Globo