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Prioridades em tempos de crise
Se em anos de pressuposta abundância os recursos da saúde já foram questionados, não seria agora, em plena crise econômica, que isso poderia ser diferente.
Vale lembrar, porém, que o orçamento público é elaborado em função de prioridades dos governos. No caso da saúde, a retórica da crise não pode ser usada para justificar falta de recursos. Tratá-la como tal reflete pouco entendimento de questões elementares da estrutura.
O pensamento não cria a realidade, como entendia Hegel. Pelo contrário, esse é o modo pelo qual os seres humanos buscam aprendê-la e explicitá-la. O economista Theodoro Schultz percebeu que nos EUA muitas pessoas investiam fortemente em si mesmas e que esse investimento teria peso representativo sobre o crescimento econômico.
Foi a partir dessas observações que surgiu o conceito de Capital Humano, segundo o qual determinados investimentos trazem retornos adicionais futuros. Aqueles que se preocupam com marcos legais deveriam entender que, para o cidadão, o que vale é a inclusão na prática, não a euforia d o momento.
A teoria do Capital Humano demonstra que investimentos em saúde e educação podem aprimorar as aptidões e as habilidades dos indivíduos, tornando-os mais produtivos –o que, em larga escala, poderia influenciar as taxas de crescimento dos países.
Quem sabe por isso opções compensatórias na forma de bolsas alocadas em orçamento possam explicar atrasos e incapacidades produtivas de países.
De acordo com análises do economista André Medici, não houve, nas últimas décadas, correlações claras entre os gastos em saúde e o crescimento do PIB. Se, por um lado, a emenda constitucional 29 garantiu estabilidade orçamentária, por outro não tornou a saúde uma prioridade dos governos.
Nos momentos de crise criam-se ótimas oportunidades para definirmos o país que queremos, pois são nesses períodos que prioridades devem ser estabelecidas. Aceitar reduções sem considerar as consequências de médio e longo prazo significa negar a necessidade de políticas estruturantes, vitais para países pujantes.
Por outro lado, imaginar que priorizar significa apenas destinar dinheiro pode levar à cultura do desperdício, a mesma que causou uma perda de mais de US$ 700 bilhões em 2012 nos EUA por conta de erros e incentivos impróprios.
Sob a perspectiva do momento e das opções compensatórias, o contexto do Capital Humano foi preterido por uma política rígida concentrada em bolsas assistencialistas, sem verdadeiro foco em saúde e educação. O fato é que até em coisas básicas, como rede de esgoto e água encanada, nosso país está em larga desvantagem.
Programas como o Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, apontados como estrelas e que deveriam contribuir para evitar doenças hídricas, não avançaram mais que 1% ao ano na profilaxia.
As reformas não dependem de lutas de classes, mas sim da honestidade intelectual das classes. Entre 1980 e 2015, os gastos federais em saúde nunca foram inferiores a 1,1% do PIB e nem superiores a 1,7 %.
Paradoxalmente, é o período que sucede à promulgação da Constituição de 1988, o pior momento para o financiamento da saúde no Brasil. A obrigatoriedade de investimento não priorizou o compromisso com a saúde, mas sim um mínimo de verba a ser destinado ao setor, o que tem valor relativo.
Agora a discussão volta, atribuída à incapacidade de alocação e de dispêndio adequado dos recursos.
A crítica não passa por aí. Na verdade, o que se observa são recursos da saúde sendo utilizados como moeda de troca política e sem suporte técnico na discussão que deveria nortear o relacionamento entre a casa legislativa e o Poder Executivo.
Orçamento é objeto de votação e isso significa dizer que pode e deve ultrapassar mínimos orçamentários, desde que seja prioritário. E quem define prioridade é o governo, apoiado na estrutura de Estado.
CLAUDIO LOTTENBERG, 55, é presidente do Hospital Israelita Albert Einstein e do Instituto Coalização Saúde.
Fonte: Folha de S.Paulo