Talidomida é esperança no tratamento do cancro da mama

 Um medicamento considerado perigoso em décadas passadas continua a ser reabilitado pela ciência. Uma possível aplicação da talidomida é no combate ao cancro da mama, tratamento proposto pelo investigador Bruno Gonçalves Pereira na tese “Implante polimérico biodegradável contendo talidomida: desenvolvimento e avaliação de efeito biológico em modelos experimentais de angiogénese e tumoral murino”, defendida no Programa de Pós-graduação em Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e realizada em parceria com a Fundação Ezequiel Dias. O método baseia-se na libertação da talidomida no organismo através do implante de polímeros biodegradáveis nos tumores.

“No Brasil, a talidomida é usada no tratamento da hanseníase, mas sabíamos de uma possível aplicação contra o cancro, já descrita na literatura médica. Como essa substância já foi muito utilizada por mulheres grávidas, nas quais vários efeitos adversos foram observados, ela foi, por muito tempo, considerada vilã”, explica Bruno Gonçalves Pereira. A má-formação de braços e pernas dos bebés estão entre esses efeitos.

 

Segundo o investigador, a Faculdade de Farmácia da UFMG conta com grupo de pesquisa especializado no desenvolvimento de implantes usados principalmente no tratamento de doenças oculares.

 

No caso do cancro da mama, a talidomida é inserida em um polímero em forma de bastão, com quatro milímetros de comprime nto e um milímetro de diâmetro.

 

Esse bastão foi aplicado dentro do organismo de ratinhos, próximo ao tumor. “Isso é feito por meio de cirurgia ou de uma seringa apropriada. Já dentro do organismo, a talidomida é liberada aos poucos no tumor, de forma gradativa. Ao final do processo, o bastão, por ser biodegradável, é absorvido”, detalha.

 

As doses de talidomida liberadas por meio do implante são menores que as que seriam necessárias caso o paciente tomasse a medicação via oral. Dessa forma, os efeitos adversos do medicamento devem ser reduzidos. “A expectativa é de que a libertação mais localizada dos implantes ajude a reduzir os efeitos adversos da talidomida. Com o implante, a substância deve chegar ao restante do organismo em concentrações bastante reduzidas. Ela será liberada diretamente na região do tumor”, diz o investigador.

 

Bruno Pereira destaca, ainda, que a redução de efeitos secundários é um dos principais objetivos dos investigadores que trabalham com o desenvolvimento de novos tratamentos contra o cancro.

 

“Em relação ao cancro, o balanço entre riscos e efeitos colaterais e benefícios é diferente, porque a maioria dos tratamentos actuais provoca efeitos adver sos, deixando as pessoas fracas e as impedindo de trabalhar e de sair de casa”, diz.

 

Medicamento bloqueia crescimento dos tumores

 

A talidomida impede o crescimento do tumor cancerígeno, uma vez que bloqueia a formação de novos vasos sanguíneos no tumor, reduzindo a inflamação no local onde é aplicada. “Além disso, a talidomida causa necrose, ou seja, a morte das células tumorais”, diz Pereira.

 

A primeira etapa da pesquisa contou com a avaliação do comportamento do medicamento dentro dos bastões biodegradáveis. Em seguida, o investigador caracte rizou a sua libertação, observando como isso ocorria no meio biológico durante a decomposição do bastão. A terceira etapa verificou se a quantidade de talidomida liberada era suficiente para alcançar os efeitos desejados.

 

“Nessa etapa do processo, fizemos um teste com aplicação de uma esponja, que induz uma resposta inflamatória e a formação de uma rede de vasos sanguíneos. Colocamos o implante ali para ver se ele conseguiria diminuir essa formação de vasos”, explica o cientista.

 

Os testes preliminares apontaram redução de 47% dos tumores em um modelo de tumor sólido de Ehrlich nos ratinhos que receberam os implantes. Para Bruno Pereira, as próximas etapas da pesquisa são de extrema importância para comprovar a viabilidade e eficácia do tratamento. Ele também prevê a necessidade de testes com outros tipos de tumores.

 

“Realizámos testes apenas num modelo de cancro da mama, agora vemos a necessidade de examinar outros tumores. Além de comprovarmos a eficácia do método, vamos avaliar a farmacocinética da talidomida, ou seja, a quantidade dessa substância que está chegando nas diferentes partes do organismo. A redução dos efeitos adversos também precisa ficar comprovada. A partir daí, se comprovarmos o interesse do implante, partiremos para estudos clínicos, com pessoas”, conclui o investigador.

 

Má-formação

 

A talidomida foi desenvolvida na Alemanha em 1954. Inicialmente comercializada em 146 países, o seu uso era indicado para controlar a ansiedade e para o tratamento de tensão e náuseas. Na década de 1960, investigador começaram a observar graves efeitos adversos na sua administração em mulheres grávidas, o que fez com que a droga deixasse de ser comercializada.

 

Durante os três primeiros meses de gravidez, o medicamento causa focomelia, a má-formação do feto por meio do encurtamento dos membros junto ao tronco. Crianças nascidas entre as décadas de 1950 e 1960 foram chamadas de “bebés da talidomida” por apresentarem vários problemas de má-formação. Estima-se que cerca de 10 mil pessoas em todo mundo nasceram com problemas causados pelo medicamento.

 

Em 1965, investigadores descobriram os efeitos benéficos da droga no tratamento da hanseníase, o que levou ao retorno da sua comercialização. Ainda hoje, milhares de pessoas recebem indenizações dos governos dos seus países e de laboratórios farmacêuticos devido aos problemas causados pela talidomida.

Fonte: Faculdade de Medicina da UFMG