Os caminhos da mente

 RIO - Dois artigos publicados na edição desta semana da revista “Nature” representam grandes avanços na tentativa de desvendar os mistérios da mente. Ambos frutos da iniciativa Brain (cérebro, em inglês), os estudos trazem mapas de como o cérebro humano se desenvolve e das conexões neurais de um mamífero. Com eles, os cientistas esperam melhorar a compreensão sobre distúrbios cognitivos que suspeita-se serem causados por problemas ocorridos antes mesmo do nascimento, como o autismo, ou emergirem mais tarde na vida, como a esquizofrenia, além do que torna cada pessoa única.


No primeiro estudo, os cientistas analisaram os cérebros de quatro fetos com entre 15 e 21 semanas e, com base nos conhecimentos atuais sobre o genoma humano, associaram o surgimento de diversas estruturas-chave à ativação e desativação de determinados genes ai nda dentro do útero materno. Com isso, os pesquisadores puderam produzir o chamado “transcriptoma” do desenvol vimento do cérebro humano na fase fetal com detalhes sem precedentes, embora admitam terem apenas “arranhado a superfície” deste complexo processo. Suas descobertas, porém, já foram incluídas na base de dados de livre acesso de um esforço científico ainda maior que pretende montar transcriptomas do que acontece geneticamente no cérebro durante toda a vida, batizado Atlas BrainSpan.

— Saber onde um gene se expressa no cérebro pode fornecer poderosas pistas sobre qual é o seu papel — explica Ed Lein, líder da equipe do Instituto Allen de Ciências do Cérebro, responsável pelo estudo. — Este mapa nos dá uma visão geral de quais genes estão ligados e desligados em núcleos e tipos de células específicos enquanto o cérebro se desenvolve na gravidez. Isso significa que temos uma primeira “planta” do desenvolvimento humano, um entendimento de quais são as peças necessárias para o cérebro se formar de uma maneira normal e saudável e uma poderosa ferramenta para investigar o que dá errado em uma doença.

Segundo Lein, mesmo ainda incompletos, já foi possível cruzar os dados de seu estudo com os disponíveis no BrainSpan para examinar o papel que vários genes já associados ao autismo em pesquisas anteriores desempenham durante a fase fetal.

— Usamos os mapas que criamos para procurar por um centro de atividade genética que pudesse ser ligado ao autismo, e encontramos um — conta. — Estes genes foram associados a neurônios que se formam no córtex, área do cérebro responsável por muitas das capacidades cognitivas afetadas pelo autismo, como o comportamento social, numa descoberta que é um excitante exemplo da capacidade do Atlas BrainSpan de gerar hipóteses significativas sobre a origem de desordens cerebrais.

Redes de conexões como estradas

Já o segundo estudo produziu outro tipo de mapa que também está sendo visto como grande passo para melhor compreensão sobre o funcionamento da mente. Nele, os cientistas usaram vírus gene ticamente modificados para “iluminar” as conexões entre as células neurais e as várias regiões do cérebro de camundongos, o que os permitiu montar o primeiro “conectoma” de um mamífero. Com 75 milhões de neurônios, os cérebros dos roedores são bem menores do que o humano, com cerca de 100 bilhões, mas têm uma estrutura similar, o que faz com que sirvam como bons modelos para entender como as células neurais humanas se conectam, processam e codificam as informações.

Segundo os pesquisadores, o o cérebro dos camundongos apresenta padrões específicos de conexão entre suas diversas regiões, e a força destas conexões varia enormemente, com um equilíbrio entre um pequeno número de conexões fortes e uma grande quantidade de conexões fracas. Eles compararam o resultado a um mapa do sistema viário de um país, em que, por enquanto, identificaram apenas as grandes rodovias que ligam as cidades maiores.

— As redes de estradas menores e suas interseções com as rodovias maiores serão nos so próximo passo, seguido de um mapa das ruas locais nos municípios — diz David Anderson, um dos autores do estudo. — Mas essas informações nos darão apenas a base para o que queremos afinal entender, que são os “padrões de tráfego” da informação no cérebro durante várias atividades, como a tomada de decisões, o reconhecimento do ambiente físico, aprendizado, memória e outros processos cognitivos e emocionais.

Lançada em abril de 2013 pelo presidente dos EUA, Barack Obama, com orçamento de US$ 100 milhões anuais, a iniciativa Brain é uma resposta à decisão da União Europeia, anunciada meses antes, de investir 1 bilhão de euros em dez anos em projeto que pretende usar supercomputadores para simular todos os aspectos do funcionamento do cérebro, da estrutura dos neurônios a sua genética, química e sinais elétricos, dando início a uma disputa já apelidada de “corrida do cérebro”.

Fonte: Portal O Globo