Tratamento médico desejado no fim da vida é o novo foco de testamentos

 O temor de não ser capaz de indicar seus últimos desejos diante da morte está entre as motivações que têm levado centenas de brasileiros a recorrer ao testamento vital, documento no qual é possível deixar registrado o tipo de tratamento médico a que uma pessoa quer ser submetida nos seus momentos finais. Segundo dados da Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados (Censec) obtidos pelo Colégio Notarial do Brasil (CNB), até agosto deste ano, 505 pessoas registraram testamentos vitais em tabelionatos de notas. O número já bate o total do ano passado, quando se formalizaram 475 deles, e é cem vezes maior que o de 2009, quando foram apenas cinco atos lavrados em todos o país. São Paulo é campeão em número de testamentos vitais em 2014, com 252 registros. No Rio de Janeiro, foram apenas três até agosto.


No documento, denominado no meio jurídico de Diretivas Antecipadas da Vontade (DAV), ficam redigidos cuidados, tratamentos e procedimentos a que uma pessoa deseja ou não ser submetida ao ter uma doença sem chances de cura e que a tenha impossibilitado de manifestar livremente sua vontade. Ela pode informar, por exemplo, se rejeita a reanimação cardiorrespiratória ou a ventilação mecânica (uso de respirador artificial), além de outros tratamentos que apenas prolongama vida do doente terminal.

A formalização desses desejos, defendem especialistas, pode evitar controvérsias familiares e dar segurança jurídica à ação de médicos. A explosão no número de registros, explicam, seria por conta de resolução do Conselho Federal de Medicina de 2012 tratando do tema, além de um maior conhecimento da população sobre o assunto. O Brasil, no entanto, não possui legislação específica sobre o documento, o que deixa lacunas em relação ao seu alcance.

- O testamento vital tem como objetivo garantir a dignidade do tratamento do paciente. A legislação brasileira não permite a eutanásia, mas é possível determinar a qual tipo de tratamento a pessoa quer ser submetida - explica Ubiratan Guimarães, presidente do Colégio Notarial do Brasil. - Além disso, no documento, a pessoa pode designar um representante que tome decisões sobre tratamentos em nome dela quando já não estiver mais consciente.

Guimarães explica que o documento não precisa, obrigatoriamente, ser registrado em tabelionatos. A formalização, porém, dá maior segurança ao paciente e ao médico, uma vez que, dessa forma, presume-se que os documentos não são fraudes.

DOCUMENTO PODE SER MODIFICADO A QUALQUER MOMENTO

Segundo a resolução 1.995 do CFM, o testamento vital pode ser feito por maiores de 18 anos ou emancipados, desde que estejam lúcidos. O documento é facultativo e pode ser modificado ou revogado a qualquer momento. Os desejos do paciente prevalecem sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares. A resolução diz ainda que o documento pode ser feito em qualquer momento da vida, mesmo por quem tem perfeita saúde.

Foi o caso da médica Cristiana Guimarães, de 38 anos. Especializada na área de cuidados paliativos, ela fez o documento em 2011. Um ano antes, soube da existência do documento em um curso na Itália, onde o assunto era discutido na época. E decidiu formalizar as suas preferências no caso de uma doença grave por recusar determinadas manobras.

- Deixei cópias com o meu marido e o meu médico e avisei aos meus pais. Quando surgiu a ideia de fazer o documento, conversei sobre isso em casa. Sempre há aquela reação de susto, me disseram “você é jovem e saudável!” Mas não sabemos o dia de amanhã. E, depois da repelência inicial causada pelo tema morte, as pessoas se interessam. Já orientei dois familiares que quiseram fazer ao documento, e o meu marido prometeu que também terá o dele - conta a médica, que acaba de ter o terceiro filho.

Cristiana afirma que, quando pacientes lhe perguntam sobre o tema, ela lhes orienta a procurar um médico e um advogado antes de elaborar o testamento vital:

- Quanto mais completo o documento, melhor. E o ideal é mesmo fazer o registro em tabelionado, apesar de não haver obrigatoriedade. Como o tema é polêmico e envolve um momento delicado, são necessários alguns cuidados. A ideia é salvaguardar o direito de autonomia da pessoa mesmo em momentos de situação extrema em que ela não possa se expressar.

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CONTROVÉRSIA É MUNDIAL

Advogada e doutora em ciências da saúde, Luciana Dadalto criou, em setembro passado, o Registro Nacional do Testamento Vital, uma plataforma on-line na qual é possível armazenar documentos para consulta de médicos e familiares. Ela conta que a discussão sobre o assunto gera controvérsia no Brasil e lá fora:

- No mundo, há uma discussão sobre quem pode fazer os testamento vital: um menor de idade ou uma pessoa com demência poderiam fazer? Há também interpretações sobre a questão da nutrição e da hidratação de pacientes terminais. Há médicos que dizem que isso é eutanásia, outros afirmam que não. No Brasil não temos lei, e nem mesmo projeto de lei, sobre o assunto, muito por conta da polêmica que ele envolve.

 Fonte: Portal O Globo