Menos maconha, mais drogas sintéticas

 Mais drogas químicas, menos usuários de maconha. Este é o resultado de um relatório do Centro Europeu de Monitoramento e Adição em Drogas (EMCDDA, na sigla em inglês) publicado ontem. Segundo a pesquisa, a proliferação de novas substâncias psicoativas se alastrou por todo o continente, com volume, diversidade e disponibilidade capazes de colocar as autoridades sob crescente pressão.


Foram identificadas 81 novas drogas químicas somente no ano passado — nos 12 meses anteriores, eram 73 —, perfazendo um total de cerca de 250 a o longo dos últimos quatro anos.

A agência, com sede em Portugal, informou ainda que o uso de drogas “tradicionais”, como heroína, cocaína e maconha, é globalmente estável ou apresenta declínio.

As novas substâncias não são controladas pelo direito internacional, são vendidas pela internet e tentam imitar os efeitos de drogas controladas, como a cocaína ou o LSD. Algumas são fabricadas em laboratórios europeus clandestinos, e um grande número é importado da China e da Índia.

A mudança na forma de usar as drogas também foi ressaltada pelo relatório. Há uma “evidência crescente” de que drogas como metanfetamina estejam sendo injetadas, em vez de ingeridas ou fumadas, o que, além dos danos intrínsecos ao consumo, potencializa também o risco de transmissão de hepatite C e HIV associado às agulhas. Os usuários também estão injetando o psicotrópico mefedrona.

Da mesma classe das anfetaminas, ela é conhecida como “miau miau” e frequentemente mi sturada a drogas mais potentes como a heroína.
“Há tanto usuários de outras drogas migrando para a mefedrona como novos usuários que nunca tinham injetado outras drogas. Os usuários de mefedrona são mais jovens que os de outros grupos de drogas de alto risco”, diz o relatório.

Há ainda a preocupação com uma tendência de uso da droga em festas “que podem durar de oito horas a três dias com a prática de sexo de risco, sem uso de preservativos e envolvendo múltiplos parceiros — uma moda que começou na França e na Inglaterra mas está se disseminando”, continua o documento.

NO BRASIL, TENDÊNCIA DE ALTA

Ao contrário da tendência mundial, o consumo no Brasil cresce em todos os grupos de drogas. De acordo com dados do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álco ol e Outras Drogas, a heroína foi uma das drog as que mais cresceram, e não houve redução em nenhum tipo.

Os novos tipos de substâncias ainda não apresentam grande crescimento.

Porém, especialistas afirmam que é apenas uma questão de tempo.

Para Ana Cecília Marques, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e de Outras Drogas, em breve o Brasil deve entrar no movimento mundial.

— Como toda indústria, as drogas têm diferentes ondas no mercado. Já tivemos um tempo dos injetáveis nos anos 80, que deve voltar agora. O consumo de drogas derivadas da anfetamina no Brasil teve uma diminuição em 2010, quando as substâncias para a sua fabricação foram proibidas. Logo depois, o uso voltou a subir — analisa a pesquisadora, que afirma que o Brasil já foi avisado sobre o crescimento do consumo dessas drogas no resto do mundo. — A Unodc (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes) já nos alertou sobre a onda duas vezes. A primeira foi em 2001, a outra, recentemente.

Infelizmente, o governo dis põe da advertência mas ainda não implementou uma política de prevenção.

O rastreamento das novas drogas é uma dificuldade para as autoridades.

Por ser fabricadas com diferentes substâncias, elas têm difíceis identificação e apreensão.

“Com o fluxo contínuo de novas substâncias psicoativas no mercado das drogas, há uma preocupação de que substâncias novas ou obscuras possam ter escapado da detecção”, alerta o relatório europeu.

Ana Cecília concorda que o tráfico desses tipos é mais fácil: — São drogas fabricadas a partir de diferentes substâncias, que podem se passar por inofensivas. Somente seu produto final pode ser identificado plenamente, o que dificulta imensamente o combate ao tráfico.

Para a psicóloga Helena Ribas, especialista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em tratamento de usuários de drogas, o estudo demonstra que há uma busca por efeitos mais imediatos das drogas.

— O crescimento no uso injetável mostra uma mudança no comportamento dos usuários. A busca pelo efeito imediato está se sobrepondo à sensação continuada que uma droga pode trazer.

O que deve ser alertado é que esse uso é extremamente perigoso, devido ao compartilhamento de seringas e, consequentemente, de doenças — ela analisa.

CONSUMO DE HEROÍNA CRESCE NOS EUA 

Nos Estados Unidos, um estudo de série histórica alertou para um inimigo que parecia esquecido. De acordo com a Autoridade de Repressão às Drogas (DEA, na sigla em inglês), o consumo de heroína cresceu 79% no país entre 2007 e 2012, com 669 mil pessoas tendo admitido o uso da substância.

O primeiro motivo aventado para o aumento do consumo é econômico: tratase de uma alternativa barata e acessível a analgésicos controlados, elaborados de materiais sintéticos derivados do ópio.

Uma dose de heroína pode ser comprada por US$ 6 nas ruas de Nova York, enquanto remédio analgésicos — substâncias altamente viciantes e populares entre os americanos — chegam à casa dos US$ 140.

Segundo dados da Administração do Serviço de Saúde Mental e Abuso de Substâncias dos EUA, cerca de 178 mil americanos consumiram heroína pela primeira vez em 2011. Uma outra razão que sustentaria o crescimento seria uma contradição nas políticas públicas.

Nos últimos anos, os governos estaduais aumentaram seus esforços para reduzir o uso de medicamentos legais controlados, impondo maiores restrições à compra e mais fiscalizações. Por esse motivo, o número de pessoas que buscam alternativas ilegais aumentaria, contribuindo para o aumento no uso da heroína e de outras drogas.

Fonte: O Globo