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Artigo: Dengue e a previsibilidade de uma trágica realidade
Em junho de 2007, na Coluna Opinião desta Folha, escrevi um artigo cujo título era “Dengue hemorrágica: uma morte evitável“. Lamentavelmente, 8 anos depois vemos a Folha estampar que “Em 3 meses, mortes por dengue em SP já superam o total de 2014 (Cotidiano, 2/4/15)“.
Por que isto acontece uma vez que para os especialistas a ocorrência de óbito por dengue é um evento inesperado e evitável? Primeiro, vale lembrar que a dengue tem algumas características epidemiológicas que vai de casos esporádicos, pequenas epidemias e epidemias explosivas, com caráter de atividade cíclica e sazonal a cada 2 a 5 anos.
Segundo, a propagação e expansão da dengue é dependente de características e comportamentos do mosquito Aedes aegypti (lembrar que uma fêmea do mosquito pode picar até 10 pessoas/dia, que seus ovos depositados podem resistir por até um ano e o mosquito permanece infectado por toda a sua vida), de alterações ambientais, climáticas, da urbanização desordenada e da elevada infestação domiciliar.
Nesse sentido, dado que previsível, é fundamental que os municípios estabeleçam um planejamento adequado, com recursos humanos e financeiros, executando medidas de controle do vetor, eliminação de criadouros e capacitação da rede de saúde para assistência médica adequada.
No Estado de São Paulo é preocupante a extensão da atual epidemia. Segundo dados epidemiológicos do Ministério da Saúde (MS), até a Semana Epidemiológica 12 (28/03/15), foram registrados no Brasil 460.502 casos de dengue, na região Sudeste 304.251 (66,1%) casos e no Estado de São Paulo 257.809 casos (56% dos casos do país e 85% dos casos do Sudeste), mostrando um importante aumento da incidência entre 2014 e 2015 de 79,8 casos/100 mil habitantes para 585,5 casos/100 mil habitantes.
Também, no mesmo período, entre os casos confirmados de dengue no Estado, a ocorrência de casos graves saltou de 37 para 136 (268%), de casos com sinais de alarme de 604 para 2.382 (294%) e de óbitos por dengue de 15 para 99 óbitos (560%).
Frente a esta situação epidemiológica, vemos claramente que estamos tendo quebra de barreiras no controle do vetor e no atendimento aos pacientes como demonstram os dados de extensão da epidemia e o aumento significativo dos casos com sinais de alarme, dos casos graves e do número de óbitos por dengue.
Considerando que o óbito por dengue é um evento inesperado e evitável, o “aumento dos óbitos por dengue é um evento sentinela de avaliação da qualidade da assistência, e o que parece influenciar diretamente a ocorrência do óbito é o manejo clínico dos casos“(Cad. Saúde Publ. 2011).
A partir de 2014, a Organização Mundial da Saúde (OMS) modificou a classificação dos casos de dengue frente à baixa sensibilidade e especificidade da classificação antiga em diagnosticar gravidade, gerando com isto sub-diagnósticos e sub-notificações (Trop.Med. Intern. Health, 2006).
Com a nova classificação, baseada em sinais de alarme e sinais de choque, adotada hoje em todo o país, é ofertada aos gestores, gerentes e profissionais de saúde uma ferramenta simples e sensível de abordagem dos casos e direcionamento de fluxo, factível de ser realizada na chegada do paciente na Unidade de Saúde através da Classificação de Risco estruturada e realizada por profissionais qualificados.
Como profissional de saúde, atuando em frentes de assistência de urgências/emergências, inclusive no treinamento das equipes de saúde, percebo que alguns gargalos necessitam ser enfrentados para assegurar uma melhor eficiência na as sistência aos pacientes.
Destaco a agilidade na realização do hemograma e o seu seriamento, fundamentais para o diagnostico e a condução clínica do caso. É inadmissível não se assegurar nos locais de maior demanda de pacientes e no menor tempo possível, especialmente nos Prontos Socorros, a realização simplificada do hemograma, especialmente a contagem de plaquetas, hematócrito e hemoglobina. São exames simples e factíveis de serem realizados em qualquer unidade de saúde e que são fundamentais como marcadores de gravidade, avaliação da necessidade de hidratação e resposta à terapia.
É preciso rigor na observância dos sinais de alarme e de choque. A condução do caso deve rigorosamente observar o estado clínico, os sinais de alarme, os sinais de gravidade e o destino adequado do paciente, co nforme o grau de risco.
Lembrar que a dengue é uma sepses causada por vírus. A sua abordagem deve ter no atendimento, diagnóstico e hidratação precoce, seu principal ponto de cuidado e fator determinante na mortalidade.
Fonte: Folha de S.Paulo
Autor: Carlos Frederico Dantas Anjos