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Uma lei para os recursos genéticos
BRASÍLIA E RIO - A presidente Dilma Rousseff enviou ontem ao Congresso um projeto de lei que regulamenta o acesso e a repartição dos lucros econômicos dos bens naturais brasileiros, os chamados recursos genéticos. Segundo a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, o novo marco regulatório acaba com a insegurança jurídica hoje existente e estimula a pesquisa, reprimindo a biopirataria.
Se o projeto for aprovado, ele reduz bastante a burocracia para a pesquisa: o pesquisador não precisará mais de permissão para acessar locais de coleta de material, por exemplo. Mas torna bem mais complicado transformar uma descoberta científica em produto a ser comercializado e força o compartilhamento dos lucros com as populações locais. Segundo Izabella, hoje o país tem 13 mil patentes paradas por falta de reconhecimento da repartição de benefícios:
— A legislação atual é extremamente confusa.
De acordo com o novo projeto, se as empresas quiserem obter conheci mentos detidos pelos povos tradicionais e indígenas, devem conseguir uma autorização escrita destas comunidades, além de registro audiovisual, do parecer de um órgão governamental, da adesão de um protocolo comunitário ou de um laudo antropológico. Alguns setores do governo questionam, por exemplo, se a assinatura de um laudo antropológico asseguraria o consentimento dos detentores de tal conhecimento.
A repartição dos lucros sobre os produtos pode chegar a 1% da receita líquida. Segundo Izabella, no entanto, os acordos sobre a divisão dos lucros a serem feitos com as comunidades poderão definir se, em vez de dinheiro, os moradores locais preferem receber escolas, hospitais ou outros investimentos sociais. A possibilidade deste acordo não está explicitado no texto que o governo enviou ao Congresso.
— Vamos deixar as regras claras, dar segurança jurídica a essas pessoas — ressalta. — Hoje em dia há uma série de contratos de gaveta.
O acesso ao conhecimento tradicional e ao material genético e o envio de material genético ao exterior terão de ser cadastrados. Se a norma foi descumprida, a multa pode chegar a R$ 10 milhões.
Investimentos devem aumentar
Segundo o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Mauro Borges, o percentual do investimento relacionado à biodiversidade deve aumentar significativamente com a vigência da lei. Segundo ele, os setores químico, farmacêutico e cosmético respondem, juntos, por cerca de 25% do PIB da indústria de transformação do Brasil. O setor investe anualmente de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões.
— Estamos falando de uma indústria de transformação com investimentos na faixa de R$ 500 bilhões — lembra. — O investimento desse setor é muito elevado em relação ao tamanho dessa indústria. Então, a escala de investimento que está envolvida aí é muito elevada.
O projeto de lei foi enviado ao Congresso em regime de urgência e terá 90 dias para ser apreciado.
A prop osta é questionada por integrantes do governo que participaram das reuniões de elaboração do texto. Uma das críticas é que o projeto favoreceria a indústria farmacêutica, em detrimento dos donos do conhecimento, e que parte dos interessados não teria sido ouvida.
O vice-presidente da Conservação Internacional no Brasil, André Guimarães, no entanto, disse que aprova a iniciativa, mas considera que ela deve ser acompanha por investimentos que garantam a realização da pesquisa no país.
— Uma substância é coletada na natureza e, depois, pode servir como base para a criação de um produto — explica. — Mas, entre estas duas etapas, o material coletado passa por sínteses, checagens, testes em laboratórios. Precisamos desenvolver essa cadeia produtiva do recurso genético.
Segundo Guimarães, é crescente a demanda mundial por novos recursos genéticos para alimentos e fármacos. O Brasil, no entanto, ignora a sua riqueza natural e abre espaço para a pirataria.
— Temos uma biod iversidade única, que não é acompanhada de qualquer regulamentação. É um contrassenso — critica. — Se houvesse regulamentação legal e fiscalização, a retirada ilegal de material genético poderia ser inibida.
Alexandre Brasil, pesquisador de Economia e Política Florestal na Amazônia, avalia que o projeto de lei tem vantagens e desvantagens.
— O índio voltaria a ter orgulho de sua cultura, já que seus conhecimentos serão importantes para a economia — calcula. — Por outro lado, não fica claro como serão feitos os contratos entre o setor privado e as comunidades. Como avaliar o valor do patrimônio genético?
Para Gustavo Martinelli, do Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico, o projeto pode tampar o “arcabouço jurídico” que impede a exploração sustentável da natureza:
— É uma maneira de valorizar a biodiversidade brasileira e alavancar o conhecimento daquilo que hoje é destruído por outros processos.
Fonte: Portal O Globo