Remédio sem fronteiras

 Em uma indústria antes dominada por multinacionais estrangeiras, as farmacêuticas nacionais, que se capitalizaram após a Lei dos Genéricos nos anos 1990, agora ambicionam mercados além das fronteiras do país.

Após se tornar competidora de peso no segmento de cópia de medicamentos, a maior parte delas vislumbra a internacionalização como caminho para romper outra barreira: o desenvolvimento de moléculas inovadoras.

“Elas não estão indo ao exterior apenas para exportar. O objetivo é a fronteira tecnológica. É aprender e se apropriar de tecnologias avançadas“, diz Reginaldo Arcuri, presidente da FarmaBrasil, que reúne brasileiras envolvidas em projetos inovadores.

O caso da Eurofarma, citada por especialistas no setor como um dos exemplo mais emblemáticos nessa corrida, abrange tanto a aquisição de empresas estrangeiras como a construção de filiais.

O plano de internacionalização da empresa começou em 2005, quando ela ainda ta teava outros t erritórios apenas por meio de exportações. Em 2009, a brasileira fez a primeira aquisição no exterior: a argentina Quesada.

“No início, priorizávamos operações pequenas para custear com recurso próprio, mas com destaque a medicamentos de prescrição que já praticávamos“, diz Maria Del Pilar Muñoz, diretora de novos negócios da Eurofarma.

Hoje, a América do Sul está quase toda coberta com operações da empresa. A companhia tem planos avançados na Venezuela, apesar de entraves políticos. O México também é alvo.

“Já temos unidade legal constituída e pessoas trabalhando para adiantar os registros“, afirma Muñoz.

No curto prazo, a meta é fincar o pé no Equador e no Paraguai. A ideia é elevar a proporção de itens inovadores no portfólio majoritariamente formado por genéricos.

Em seu passo mais recente, neste ano, a Eurofarma comprou participação em uma empresa de inovação, pela primeira vez, na área de antibióticos, a Melinta.

“Com essa aquisição, poderemos participar de projetos inovadores, pois vamos ter acesso aos conhecimentos científicos. Nosso plano sempre foi sair de um modelo de produção de cópias e ir migrando para inovações radicais e incrementais.“

PORTFÓLIO PRÓPRIO

Na farmacêutica Biolab, que também quebra fronteiras, o processo foi diferente. O presidente da empresa, Cleiton Marques, diz que a internacionalização ocorreu a partir de portfólio próprio.

“Dentre as grande farmacêuticas brasileiras, a Biolab é a única que não trabalha com genéricos. Nossa internacionalização foi mais lenta. Constituímos um portfólio que agora nos permite sair com produtos inovadores.“

O desenvolvimento de moléculas novas pode ser incremental, quando se adiciona um uso novo a um produto já existente, ou radical, quando parte do zero. Ambos requerem anos de pesquisa e de investimentos, em um processo mais prolongado do que a comercialização de genéricos.

“Já temos produtos registrados ou em processo em nove países“, diz Marques, que se prepara para abrir filial da Biolab na Flórida (EUA) neste mês e está em andamento para inaugurar um centro de desenvolvimento no Canadá.

“A aprovação de estudos no Canadá é rápida. Tem pessoal capacitado e incentivo de governo.“ A Biolab também está na França, por meio de terceirização, de um laboratório para testes pré-clínicos.

O Cristália é outro laboratório brasileiro com presença fora do país. Em 2011, comprou na Argentina uma empresa que exporta para Améri ca Latina e Or iente Médio.

Já o laboratório Aché, um gigante nacional, optou pela exportação. A empresa começou a trabalhar sua marca no exterior em 2008, priorizando a inovação.

A primeira exportação aconteceu em 2010, por meio de um medicamento para hipertensão que passou a ser comercializado por uma farmacêutica mexicana. Hoje, a empresa trabalha com uma rede internacional de alianças para a venda de 25 medicamentos para 12 países.

Para Nelson Mussolini, presidente do Sindusfarma (sindicato da indústria), a expansão internacional foi possibilitada pelo rigor regulatório da Anvisa, estimulado pela Lei dos Genéricos.

“Quando a Anvisa baixou uma série de normas endurecendo as regras do o mercado, as empresas brasileiras precisaram se desenvolver e se tornar competitivas. Isso trouxe a oportunidade de saírem do Brasil porque as regras do jogo também são duras lá fora. A agência tem problemas burocráticos que ainda precisam ser resolvidos, mas nos ajudou muito em termos de rigor regulatório“, afirma Mussolini.

 

 Fonte: Folha de S.Paulo

JOANA CUNHA DE SÃO PAULO