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Busca por ‘alívio imediato’ causa endividamento, diz psicanalista
Existem razões psicológicas e até neurológicas que ajudam a explicar o aumento do endividamento da população brasileira. Para pesquisadores da psicologia econômica e da neuroeconomia, o endividamento está ligado especialmente à falta de autocontrole no consumo e à busca por uma compensação, um alívio para impulsos.
Segundo a psicanalista Vera Rita de Mello Ferreira, esse comportamento está ligado à dinâmica psíquica das pessoas. “Somos movidos por impulsos que buscam um alívio imediato. A gente sempre se encontra em uma situação de falta e nunca estará plenamente satisfeito, mas fica muito fácil cair na ilusão de que comprar determinados produtos fará a gente chegar a um estágio de satisfação total, de plenitude”, disse ao G1 a psicanalista e doutora em psicologia econômica pela PUC-SP, autora dos primeiros livros sobre o tema no Brasil.
Segundo ela, as pessoas que ficam com dívidas demais normalmente se deixam influenciar pelas circunstâncias externas. “No lugar de ela tomar decisões por conta própria, ela fica muito influenciada pelos outros, pelo que vê ao redor dela”, disse.
Além disso, explicou, há uma confluência de outros fatores, como uma maior aceitação social da dívida, que antes era vista como algo negativo, a comparação social e a influência familiar. “Temos um forte apelo ao consumismo e fartura de crédito”, disse.
Para a neuroeconomia, área de estudo que usa as técnicas de neurociência para entender como as pessoas tomam suas decisões quando o assunto é dinheiro, o problema é um duelo entre razão e emoção.
“Enquanto a razão diz para poupar, para controlar, a emoção não pondera. Na hora em que se está na frente do produto, os sentidos ativam a área da emoção. É uma coisa bem de fetiche de consumista. A emoção fica superativada, e o cérebro manda mais sangue para a área dela, o centro do cérebro, o sistema límbico a amígdala cortical, e a área da razão, córtex prefrontal, fica menos irrigada”, explicou ao G1 a economista Patrícia Fonseca, especialista em neuroeconomia.
O grande problema, para ela, é que as pessoas enxergam o endividamento pela ótica do insucesso. “Elas buscam uma culpa externa. A justificativa sempre é não de que as pessoas gastam demais, mas que elas ganham pouco. É importante mudar essa noção e mostrar que o que importa não é o quanto se ganha, mas o quanto se gasta, isso que faz as pessoas perderem o controle das finanças”, disse.
Além de terem uma forte influência de fatores psicológicos, as dívidas também trazem efeitos sobre o equilíbrio mental das pessoas que se pegam presas a elas.
“Nunca encontrei um indivíduo feliz por ter dívidas”, disse a economista especialista em neuroeconomia. “A dívida traz uma mensagem implícita, quase subliminar, de que a pessoa teve um insucesso. Insucesso em gerir suas finanças, em gerir sua vida, profissional, de não ter alcançado o que se achava que seria alcançado”, explicou Patrícia Fonseca.
Segundo Vera Rita Ferreira, as dívidas sempre são uma fonte de estresse muito séria. “Ou a pessoa vai ficar pensando nisso o tempo inteiro e não consegue mais nem trabalhar direito, ou ela vai tentar de uma forma tão violenta afastar o problema da consciência que ela também paga um preço psicológico sobre isso. Ela vai ficar vivendo fora da realidade dela. Pode gerar estados de depressão, desânimo, impotência”, disse.
Segundo a psicanalista, os altos juros brasileiros fazem com que as dívidas brasileiras dificilmente possam ser vistas como investimento, como acontece no exterior.
“Nos Estados Unidos, os jovens contraem dividas para fazer a universidade, então tem influência na auto-estima. Acontece que eles não têm juros de 10% ao mês. Isso muda tudo. Aqui no Brasil a pessoa pode se iludir e se achar a rainha da cocada preta, por consumir grifes, mas é ilusório e vai tomar na cabeça porque os juros são altos e viram uma bola de neve em dois meses”, disse.
Tratamento
“As pesquisas de economia psicológica mostram que informação não basta para evitar as dívidas. O importante é ter estratégia de autocontrole. Eu vejo a prevenção na ótica das políticas públicas. É difícil fazer prevenção com os indivíduos”, explicou.
Sob a ótica da psicologia, entretanto, pode fazer sentido incentivar o trabalho preventivo com pessoas que demonstram descontrole financeiro, disse a psicanalista Vera Rita Ferreira. “Ajudar a pessoa a parar e pensar sobre o que está fazendo com o dinheiro dela é o primeiro passo.”