HIV impede ação do vírus da gripe

 Uma briga de titãs dentro do organismo de soro postivos que chamou a atenção de cientistas durante a pande-mia de influenza A em 2009 acaba de ser desvendada por pesquisadores brasileiros. De um lado, o vírus da imunodeficiencia humana (HIV). Crônico, mas sob controle. Do outro, o destruidor H1N1, que se instala principalmente em pessoas com o sistema imune comprometido. O vencedor? O dono da casa há mais tempo e até hoje imbatível, o HIV. Ao que parece e foi comprovado em laboratório, a infecção pelo micro-organismo causador da Aids impede que o da influenza se replique dentro do organismo de pacientes inicialmente soropositivos. O segredo está em um tipo específico de resposta imune liberada pelo corpo na presença constante do patógeno até hoje indebelável.

Os resultados foram encontrados por um grupo de cientistas do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) no Rio de Janeiro. Liderados pelo virologista e pesquisador do Laboratório de Vírus RespiratÍ rios e do Sarampo do IOC Thiago Moreno, eles publicaram os achados na edição de hoje da revista científica internacional Pios One. “Em 2009, já foi surpreendente observar que soropositivos aparentemente estavam sendo menos afetados em termos de mortalidade pela pandemia que outros grupos imunoco mprometidos, como pacientes com câncer e transplantados“, lembra.

A observação clínica foi revelada por estudiosos de diferentes partes do mundo, incluindo o Brasil e a Argentina. A equipe do IOC ficou com a incumbência de desvendar os mecanismos celulares e moleculares que justificassem o fenômeno. “Identificamos alguns mecanismos que o HIV é capaz de induzir no hospedeiro e acabam provocando a inibição ou impedindo a replicaç ão do H1N1.“ Moreno explica que a primeira diferença observada entre as duas infecções é que a provocada pelo HIV é crônica, enquanto a pelo H1N1, aguda.

Quando o vírus da Aids contamina uma pessoa, o sistema imune quer combatê-lo da mesma forma que o palógeno quer vencer os ataques imunológicos do hospedeiro. Entre as respostas geradas pelo organismo, é induzido um grupo de proteínas chamado de fatores de restrição. O HIV resiste, porém, por ser uma condição crônica, o corpo se mantém em um estado de infecção, sempre produzindo os fatores de restrição e um em especial, o IFITM3, que consegue bloquear a replicação do influenza.

Moreno acredita que, pela ótica de uma “lógica viral“, a ação faz sentido, pois convém ao vírus não compelir com outro pelo domínio do hospedeiro. Para compreender melhor esse processo, a equipe fez experimentos em células in vitro infectadas pelo HIV. Elas foram analisadas quanto aos níveis de IFITM3. Em seguida, desafiadas com uma coinfecção pela influenza para investigar a capacidade do segundo vírus de contaminá-las. Em paralelo, outro grupo de células, no caso epiteliais, foi somente exposto ao HIV, em vez de infectado. “Agente só expôs ao HIV ou só à proteína de superfície do HIV, ao 120. Só essas partes foram suficientes para induzir o aumento dos níveis de IFITM3.“

Essa direção da pesquisa é extremamente importante para o desenvolvimento de terapias. Isso porque a principal estratégia de combate ao H1N1 seria gerar uma imunomodulador a partir da menor parle do HIV, estimulando, assim, a produção da proteína q ue bloqueia a influenza sem que, necessariamente, a pessoa precise ser infectada. Utilizar somente o fator ou, de alguma forma, sintetizá-lo seria praticamente impossível, já que é algo produzido pela própria célula. “Então, se você for administrar isso, seja qual for a via que imaginar, dificilmente conseguiria chegara célula e se inserir no local exato para inibir a replicação do influenza. O que nosso estudo poderá responder no futuro é qual seria o pedaço do HIV que poderia induzir esse fenômeno.“

Em humanos

O trabalho seguinte da equipe de Moreno foi analisar amostras de pacientes nas quais se percebeu que a evolução do vírus da influenza estava prejudicada. A característica é um indicador da inibição da replic ação viral. Vale observar que, mesmo em pacientes sob tratamento com antirretro virais e cargas indetectáveis do patógeno no sangue, a produção do fator de restrição se mantém, pois é dependente da condição que o micro organismo induz no organismo simplesmente por estar presente e não pela quantidade de vírus. Moreno afirma que é possível o organismo produzir esse fator sob outras condições infecciosas, no entanto, é preciso perceber particularidades do HIV.

Quando a pessoa é soropositiva, ela tem uma infecção sistêmica, isso é, o HIV é encontrado no sangue, no trato gastrointestinal, no trato respiratório, no cérebro. Ao ser contaminada pelo influenza, adquire uma doença exclusiva do trato respiratório, considerado um reservatório do HIV.

“Nesse contexto, o aumento de IFITM3 está em lodo o corpo. Quando a influenza chega, tem um bloqueio na capacidade de infecção“

Segundo Esper Kallás, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (DSP) e infectologista do Hospital Sírio-Libanês, o trabalho é muito interessante e a única ressalva é ter dados apenas laboratoriais.“ Kallás conta que a observação em pacientes na época da pandem ia foi feita em poucas séries de casos em que surgiram outros fatores intrigantes sobre a infecção pelo H1N1 que ainda precisam ser investigados. “ í: possível ver alvos do H1N1 que podem ser desenvolvidos com base nessas observações. Porém, depois de ver no laboratório, agora, é preciso desenhar um estudo para avaliar as pessoas que têm HIV e H1N1 para, então, ver prospectivamente fatores descritos no trabalho.“ A briga de vírus, segundo o especialista, é comum e acontece em ou-Iras situações. “Em todos os sistemas, sempre existe essa competição. I lá vários exemplos, alguns para o bem e outros para o mal. Entender como funcionam é o principal.“

Fonte: Correio Braziliense