Dengue: por que é tão difícil exterminar a doença

 Além de combinar uma doença de biologia difícil, os elementos do atraso na erradicação da dengue incluem aspectos sociais e culturais, além do baixo investimento em pesquisas.

Em todo o mundo, os números da dengue se multiplicaram nos últimos 50 anos. A doença infecta 100 milhões de pessoas anualmente, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), em ciclos epidêmicos. Este ano, o Brasil viu seu número de casos triplicar. Eles aumentaram em todas as regiões: há 224 101 casos notificados, ante os 85 401 que surgiram entre janeiro e março de 2014. A Região Sudeste, especialmente São Paulo, é a líder. O estado contabiliza 585 casos por 100 000 habitantes, quase o dobro do patamar usado para caracterizar uma situação de epidemia, que é de 300 casos por 100 000 habitantes. Se os números continuarem crescendo em abril, mês historicamente preferido pela doença para fazer suas vítimas, 2015 tem tudo para ser o ano em que o Brasil verá uma epidemia histórica de dengue.

Desde que o vírus foi isolado pelo cientista polonês radicado nos Estados Unidos Albert Sabin, durante a II Guerra Mundial, ele dribla a ciência. Até hoje não há vacina e tratamento. O único método de combate é tentar matar o mosquito. Combate-se a dengue da mesma maneira que nos anos 1950. As armas contra a doença que pode levar à morte em sua forma grave são inseticidas, repelentes e a eliminação dos criadouros do Aedes aegypti, mosquito que carrega o vírus.

“Essa é não é uma doença de solução fácil. Há uma combinação entre um vírus hábil, um mosquito extremamente adaptado e estratégias públicas de combate e prevenção que não são constantes e, por isso, não funcionam“, explica o infectologista Celso Francisco Granato, chefe do laboratório de virologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Os elementos do atraso na erradicação da dengue incluem também aspectos sociais e culturais, além do baixo investimento em pesquisas. Enfrentando esses aspectos, os cientistas têm feito o que podem. Uma vacina para o vírus complexo deve surgir nos próximos anos e os pesquisadores estão criando mosquitos capazes de impedir o parasita de se multiplicar. Se conseguirem, vão derrubar um inimigo histórico, beneficiando cerca de 2,5 bilhões de pessoas, ou dois quintos da população mundial que, atualmente, vivem em áreas de transmissão da doença.

Vírus viajante - A primeira menção a uma doença semelhante à dengue está em uma enciclopédia chinesa de 992. Os estudos indicam que o vírus se desenvolveu no Sudeste da Ásia e se espalhou pelo mundo nos séculos XVIII e XIX junto com os navios que transportavam produtos pelos oceanos. Tanto o vírus, que faz parte da família Flavivírus (o mesmo da febre amarela e da hepatite C), quanto os mosquitos que o carregam, o Aedes aegypti e o Aedes albopictus, chegaram a diversos países tropicais, causando grandes epidemias. O Aedes aegypti teve mais sorte que seu correspondente silvestre e conseguiu se adaptar com sucesso ao ambiente urbano. Novos surtos voltaram a aparecer com força após a II Guerra Mundial, quando as cidades cresceram exponencialmente e as viagens se tornaram mais comuns.

Nesse período foram registrados os primeiros casos de dengue grave, que causa hemorragia e pode levar à morte. Foi também o momento em que o vírus foi isolado por Sabin e começou a ser estudado. Descobriu-se que ele havia sofrido mutações durante seu desenvolvimento ao redor do globo e não era um, mas quatro. São os chamados quatro sorotipos, que vão de DEN-1 a DEN-4.

“Na época, achava-se que as grandes diferenças ocorriam entre os sorotipos. No entanto, com as pesquisas em biologia molecular, verificou-se que isso era uma gigantesca simplificação. A análise genética do vírus, por volta dos anos 1980, mostrou que, em cada sorotipo há vírus que são tão diferentes como o homem e o chimpanzé. A dengue é feita de muitos de vírus diferentes“, diz Granato.

Doença esperta - Além dessa imensa variação entre os genes da doença, outra característica incomum do vírus é sua capacidade de se tornar mais agressivo na segunda ou terceira infecções. Isso acontece porque ele consegue se ligar aos anticorpos do organismo e “enganar“ o sistema imunológico. Uma pessoa que tem dengue pela primeira vez desenvolve células de defesa contra a doença. Se acontecer de ser picada pelo mosquito uma segunda vez, infectado por outro sorotipo, o novo vírus que entra no organismo consegue se colar aos anticorpos criados pela primeira infecção. Assim, o anticorpo funciona como um cavalo de Tróia, levando o vírus para dentro do sistema imune: a dupla entra com facilidade nas células imunológicas, que reconhecem o ví de mata-moscas e tampas de caixa d´água. “Não podemos lutar contra um mosquito e um vírus tão desafiadores com medidas simples e intermitentes. Eles aprenderam a estar conosco e são muito eficientes nisso. Por essa razão, a dengue só será erradicada com investimento em pesquisa e em programas sérios de saúde e educação pública, que envolvam todos os setores da sociedade. Sem isso, seremos obrigados a conviver com essa doença ainda por um longo tempo“, diz Ribolla.

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