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Saúde pública e saúde privada
Nem a criatividade brasileira, que tem driblado as restrições e os tropeços da legislação, poderá salvar o setor porque o modelo parte de premissas erradas que impedem o custeio do sistema
O atendimento à saúde no Brasil apresenta um desenho curioso, no qual os aportes do poder público são menores do que os da iniciativa privada, ainda que os primeiros se prestem a atender toda a população e os segundos se destinem a arcar com as despesas dos participantes dos planos privados, que atendem mais ou menos 50 milhões de pessoas.
Quem presta o atendimento público é o SUS. Na teoria, o sistema é quase perfeito. Na prática, a realidade é outra. O atendimento à saúde oferecido pelo governo deixa muito a desejar. Nem poderia ser diferente, quando se tem menos de US$ 100 bilhões anuais para custear toda a operação, responsável pelo atendimento de mais de 150 milhões de pessoas.
Na outra ponta, o sistema priva do atende algo próximo de 50 milhões de segurados e gasta uma vez e meia o dinheiro destinado ao SUS. A distorção é evidente. Assim como a falta de recursos para garantir atendimento digno para dois terços da população.
Só isso seria suficiente para o surgimento de conflitos. Mas há toda uma legislação ruim que amplia o quadro, levando à judicialização das questões de saúde, tanto no setor público, como no privado.
Como exemplo, no setor público há o comprometimento de valores significativos para custear medicamentos e procedimentos fora dos habituais, por força de liminares dadas com toda um a boa intenção do mundo, mas que, protegendo um indivíduo, acabam prejudicando a coletividade.
O custeio da saúde pública é feito através de dotações orçamentárias com valores bem menores do que seria o aconselhável. Estes valores devem ser usados para proporcionar o máximo de qualidade para o maior número de pessoas. Mas não é isso o que ocorre.
Ao conceder liminar para um tratamento no qual se necessita a importação de medicamentos, normalmente caros, ou uma cirurgia no exterior, a Justiça, em verdade, está distorcendo a função social do atendimento à saúde, já que os valores para isso são sacados do orçamento, reduzindo o dinheiro para bancar outros tratamentos, aumentando as filas de espera e prejudicando milhares de pacientes que aceitam as regras como elas são.
É por isso que a Grã-B retanha, que possui o melhor si stema de saúde pública do mundo, tem uma lista de procedimentos e medicamentos que são custeados pelo sistema de saúde. O que não consta dela não é pago. Tanto faz se existe outro procedimento mais eficiente ou mais moderno que pode salvar a vida de uma pessoa. Saúde pública tem como objetivo garantir a saúde da sociedade, oferecendo o mesmo padrão indistintamente para toda a população. Abrir exceção é criar privilégios que o conceito de previdência social, numa democracia, não pode admitir. No setor privado, a Lei dos Planos de Saúde é um desastre com prazo de validade. Em algum momento será impossível para as operadoras continuarem garantindo o atendimento à saúde de seus segurados. Independentemente da criatividade brasileira, que tem driblado as restrições e os tropeços da lei, o modelo não tem futuro porque parte de premissas equivocadas, que impedem o custeio do sistema de forma adequada e atuarialmente equilibrada.
Por exemplo, os planos norte-americanos conseguiram reduzir muito fraudes e aumentos abusivos de preços introduzindo franquias e participações obrigatórias dos segurados. No Brasil isso é proibido. Além disso, boa parte dos planos internacionais tem limites máximos de responsabilidade das operadoras. No Brasil isso é inviabilizado pela própria lei, que impede até a contratação de resseguro para alguns tipos de planos.
Como a capacidade de pagamento do brasileiro é relativamente baixa, a capacidade de remuneração dos planos nem sempre é a mais adequada para atender prestadores de serviços, o que leva a tensões constantes. Mas, mesmo com elas, e com outras dificuldades, os planos de saúde privados são um dos sonhos de consumo dos brasileiros que não os possuem. Além de serem os responsáveis pela qualidade dos hospitais de p onta. Sem o dinheiro dos planos eles não teriam recursos para os seus investimentos.
*Antonio Penteado Mendonça é presidente da Academia Paulista de Letras, sócio de Penteado Mendonça Advocacia e comentarista da Rádio Estadão
Fonte: O Estado de S.Paulo