Cientistas caçam novos medicamentos fora dos laboratórios das farmacêuticas

 Três semanas após começar a trabalhar na Johnson & Johnson (J&J), Peter Lebowitz assumiu a sua primeira grande missão como director de I&D: ir à Califórnia para avaliar um medica mento promissor contra o cancro, conta o The Wall Street Journal.

Ali, ele examinou detalhadamente a nova droga durante três dias. No voo de volta para a Costa Leste, ele enviou um e-mail para alertar o chefe: a J&J deve fazer todo o possível para incluir o medicamento no seu portefólio antes que um concorrente o faça.

Lebowitz e outros cientistas de farmacêuticas desempenham um papel cada vez mais vital como caçadores de novos medicamentos desenvolvidos fora dos seus laboratórios, com a meta de renovar a linha de produtos.

A rivalidade nessa busca pode ser bem acirrada. Após a visita de Lebowitz, em 2011, ele e os executivos da J&J fizeram várias viagens à empresa californiana que desenvolveu o medicamento para criar laços pessoais que pudessem influenciar um acordo. No fim daquele ano, a J&J tinha superado concorrentes como a Novartis para comprar os direitos da droga.

O medicamento contra o cancro está entre as aquisições externas que ajudaram a J&J a revigorar o seu portefólio. Os reguladores aprovaram em 2013 a versão J&J do medicamento, que recebeu o nome de Imbruvica®, usado no combate de um tipo raro de linfoma. No mês passado, ele também foi aprovado para tratar um tipo de leucemia. O J.P. Morgan estima que a droga possa gerar 1,3 mil milhões de dólares em receita para a multinacio nal norte-americana em 2017.

A forma como a J&J e Lebowitz recrutaram o laboratório californiano Pharmacyclics Inc. reflecte uma mudança em como as grandes farmacêuticas estão a descobrir novos produtos. No passado, elas preferiam desenvolver medicamentos internamente. Mas encontrar novas formas de combater doenças resistentes, como diabetes e Alzheimer, por exemplo, tem-se mostrado mais difícil que o imaginado, o que gera muitos fracassos de drogas experimentais a um custo alto.

Por essa razão, as farmacêuticas estão a olhar além dos seus laboratórios, na esperança de encontrar novos medicamentos viáveis de forma mais rápida. &quo t;Não importa quão boa a sua organização é em pesquisa [...], o melhor trabalho está sempre a acontecer noutro lugar“, diz Roger Perlmutter, chefe de investigação da MSD. O ideal “é poder beneficiar daquele trabalho que está a ser feito lá fora“.

Essa mudança criou uma geração de cientistas que também se envolvem com negócios, como é o caso de Lebowitz, que hoje é chefe de investigação e desenvolvimento (I&D) da J&J. Eles não só têm a responsabilidade de desenvolver medicamentos internamente, mas também de buscar substâncias promissoras em qualquer lugar.

Nos últimos anos, a Novartis, a Roche e outras farmacêuticas têm enviado os seus cientistas a diversos pontos do planeta em busca de novas drogas. Eles examinam minuciosamente as descobertas mais promissoras e o seu desempenho em laboratórios e testes — e, às vezes, participam nas negociações para licenciar os direitos da droga ou a compra da empresa que a desenvolveu.

A Bristol-Myers Squibb e a Sanofi contam com esse tipo de acordo para compor a sua linha de produtos, enquanto a MSD está a reorganizar-se para ampl iar a prática. Entre as drogas que estavam em estágio de desenvolvimento em 2012 nas dez maiores farmacêuticas do mundo, 33% foram descobertas fora de casa, segundo a Medtrack, um centro de dados sobre o desenvolvimento de medicamentos. Dez anos antes, essa percentagem era de 16%.

“A ciência tornou-se tão complexa que não podemos ser especialistas em tudo“, diz Christopher Viehbacher, director-presidente da Sanofi, que tem cientistas dedicados especificamente para vasculhar drogas promissoras noutras empresas.

Mas nem s empre os caçadores de medicamentos acertam. Há dois anos, Lebowitz encontrou uma droga contra o cancro que considerou promissora. Mas para a J&J, o preço pedido era demasiado alto, segundo ele, e uma rival venceu a disputa. Em 2009, a J&J pagou 1,5 mil milhões de dólares por uma fatia da Elan Corp. em troca dos direitos de um remédio para a doença Alzheimer. A droga fracassou e a J&J acabou por vender a sua participação na Elan no ano passado. &quo t;Avaliar o risco de um medicamento que actua no corpo humano de uma forma que não entendemos completamente porque a biologia é complexa [...] torna esses negócios difíceis“, diz.

A J&J mudou a sua abordagem em 2009, quando Paul Stoffels, hoje seu director científico, ajudou a lançar o “ Project Playbook“, um plano de avaliação de medicamentos. Em meados dos anos 2000, a J&J viu que alguns dos seus campeões de vendas perderiam a protecção de patente no fim da década. Mas a empresa não tinha novos medicamentos nos seus laboratórios que pudessem substituir a receita que seria perdida.

O “Project Playbook“ procurou corrigir isso, levando a J&J a concentrar os seus esforços em algumas poucas doenças, como diabetes, Alzheimer, artrite reumatóide, hepatite C e certos tipos de cancro. A J&J contratou mais especialistas nestas doenças e encorajou os seus pesquisadores a aprender tudo sobre qualquer medicamento em desenvolvimento.

Para cada doença, os pesquisadores compilaram as descobertas num gráfico que, segundo Stoffels, mostrava quais drogas “estavam à nossa frente, atrás de nós e se queríamos trabalhar com elas“. Foi aí que o trabalho de exploração passou a um nível mais avançado. Os cientistas da J&J procurariam conhecer os seus pares nas empresas do gráfico e construir um relacionamento com eles. Às vezes, um cientista da J&J pode manter contacto durante meses — ou até anos — antes de mencionar um potencial acordo.

Em biotecnologia, a discussão sobre dinheiro ocorre como em qualquer outro sector. Mas, com frequência, afirm a a J&J, os cientistas e empreendedores que descobriram novos medicamentos e criaram empresas com base nessas descobertas têm uma relação particularmente pessoal com suas criações e querem garantir que elas avançarão no novo lar.

De acordo com a J&J, cerca de 50% do seu portefólio de medicamentos em desenvolvimento veio de fora da empresa. Em 2012, eram apenas 20%. Seis das suas nove novas drogas aprovadas desde 2011 não foram concebidas nos seus laboratórios.

Glenn Novarro, analista da RBC Capital Markets, diz que o Imbruvica® e outros traços novos medicamentos aprovados recentemente e que começaram a ser desenvolvidos fora da J&J podem atingir, cada, uma facturação entre 3 mil milhões de dólares e 6 mil milhões de dólares nos anos de pico de vendas.

Fonte: RCM PHARMA